Já que tratei das forças, direi também a valentia e esforço, manhas e destrezas de algumas pessoas desta ilha, porque de todas não pude saber.
Um Rui Dias se foi desta ilha, sendo muito mancebo, e se pôs com um senhor em Castela e, por ser bom cavalgador, o serviu de Ihe amansar cavalos. Daí se passou para Arzila, onde Ihe aconteceram muitas coisas com os mouros, e deles foi muitas vezes cativo; entre outras, Ihe aconteceu uma mais notável, que agora direi.
Sendo capitão em Arzila D. Manuel Mascarenhas, em absência do conde do Redondo, D. João Coutinho, estavam na dita vila dois cavaleiros, naturais desta ilha, sc., Roque Afonso, do lugar de São Roque, e o dito Rui Dias, de Vila Franca, filho de Diogo Dias Brandão, morador nas Grotas Fundas, da Ponta da Garça, ao qual aconteceu o que ouvireis. Um dia, um mourisco já cristão, que era almocadém em Arzila , chamado António da Silveira, valoroso cavaleiro e muito estimado do capitão, determinou ir tomar um par de porcos, para o que escolheu certos mancebos, filhos de cavaleiros, a que não soube os nomes, e convidou para esta caça a Rui Dias, o qual não se podendo escusar, por serem muito amigos e compadres, foi com ele contra sua vontade; e como não iam mais que a caçar, por terem certeza que eram os alcaides por el-Rei a Fez chamados, não levavam mais armas que lanças de monte, sem adargas.
Chegados ao lugar onde começaram a caça, viu o almocadém António da Silveira a trazeira duns almoguavres mouros que se iam abscondendo para uma serra e, chamando a Rui Dias, se puseram em conselho sobre o que fariam, entendendo que eram já sentidos dos mouros, parecendo-lhes que Ihes tinham dado na trilha. Não sendo assim, e vendo que não eram os mouros mais de treze, se determinaram escaramuçar com eles. Chamados os mancebos que andavam embaraçados na caça, os esforçou e animou a pelejar; e com muito esforço se descobriram e mostraram aos mouros. Indo marchando para eles, os mouros se iam desviando, parece que para reconhecerem se era alguma cilada. Perguntou então António da Silveira a Rui Dias se os conhecia, porque tinha conhecimento de muita gente daquela fronteira; disse-lhe que perguntasse quem era o seu almocadém, e respondendo-lhe com o nome dele, Ihe tornou a dizer que, pois fora sempre cavaleiro, porque se mostrava então judeu, sendo treze contra sete, que virassem; os mouros o fizeram. E de tal maneira pelejaram cinco mancebos, com o favor do almocadém e de Rui Dias, que os desbarataram.
A Rui Dias aconteceu que, encontrando-o um mouro, Ihe desviou com sua lança de monte o encontro, e vindo a braços, levando o mouro de uma gomia, Ihe atravessou uma coxa a Rui Dias; o qual, tomando-lha da mão, o matou com ela. Nisto o encontrou outro, atravessando-o com a lança; e, caindo do cavalo, acertou de tomar a lança do mouro que tinha morto, e levantando-se enrestou com o mouro que o tinha ferido, o qual vinha já com outro golpe sobre ele, e, como o viu determinado, temeu, dando-lhe as costas; mas, por trazer já o cavalo tão cansado, se não pôde sair tão presto, que primeiro o alcançou Rui Dias por cima do arção e o derribou, atravessado na lança. Nisto caiu Rui Dias, arrevesando, esvaído do muito sangue, que Ihe corria das feridas; onde veio ter com ele o almocadém, quase morto, porque estando já ferido de algumas feridas, acabando de matar um mouro, outro de través Ihe deu uma lançada pela garganta, da qual dali a pouco morreu, porque depois de Rui Dias ser ferido, não teve quem o guardasse. A este tempo tinham já mortos, dos mouros, os dez; os três escaparam embrenhados e bem feridos, e os nossos quase todos feridos de morte. Mas, assim feridos, tomaram todos os treze cavalos e caminharam para Arzila, mui louvados, pelo caminho, do seu almocadém António da Silveira que, chegando a uma légua de Arzila, lhe morreu, sendo um dos bons cavaleiros que então havia.
Rui Dias correu muito perigo e os mais dos outros estiveram à morte; mas muito mais perto dela Rui Dias, que todavia convalesceu e esteve por fronteiro em Arzila até que el-Rei a largou.
Então tornou a esta ilha, seu natural, e daqui se foi para as Índias de Castela, donde mais não houve novas dele. Quiseram dizer que falecera em uma nau que vinha de lá e se perdeu na costa do norte desta ilha, defronte do lugar dos Fanais, termo da cidade da Ponta Delgada, mas não se sabe a certeza.
António de Sá, filho de João de Betencor e de D. Guiomar de Sá , moradores e naturais da cidade da Ponta Delgada, era homem comprido, alvo do rosto, formoso, bem posto e delgado do corpo, tão forçoso e valente que dizem que no cerco de Cabo de Gué , saiu um mouro, valente cavaleiro, desafiando aos portugueses, e querendo sair a ele este António de Sá, Iho não consentiu o Capitão Manuel da Câmara. Ele, tomando a licença que Ihe não queriam dar, dizem alguns que saltando pelo muro ou buscando maneira para sair por alguma porta ou postigo, foi ter com o mouro que o estava esperando dentro das tranqueiras, e tendo ali seu desafio, ambos a pé, arremeteu António de Sá ao mouro, e, como era homem grande e de grandes forças, o tomou às costas e levou ao Capitão, o qual ainda que se alegrou com tal vitória, para aviso de outros que se não desmandassem como ele, o mandou prender. Alguns dizem que esta prisão foi sobre palavras que António de Sá disse ao Capitão, por Ihe querer tomar o mouro, sabendo que era pessoa de grande preço e estava certo por ele. Outros afirmam por mais certo que saiu António de Sá de noite, para tomar língua, e achando um mouro, bom cavaleiro, o venceu e trazendo-o às costas Ihe fez o mouro uma grande ferida, mas nem por isso o deixou de trazer preso diante do seu Capitão.
Era este António de Sá tão forçoso que alevantava dois homens do chão, postos com os pés nas palmas das mãos. Também se punha em pé, dizendo que Ihe dessem com uma tranca nas curvas das pernas quão grande porrada quisessem, que o não fariam acurvar; e assim o fazia.
Vindo a esta ilha um capitão de uma caravela de armada, que el-Rei mandou, buscar um cofre de dinheiro que aqui tinha, das rendas desta ilha, sendo um homem muito grande de corpo e valente, perguntou por este António de Sá, em Vila Franca, onde surgiu, por não o deixar o tempo tomar a vila da Ponta Delgada; e sabendo que havia pouco tempo que era falecido António de Sá, na mesma vila da Ponta Delgada, mostrou grande sentimento e tristeza de sua morte, por haverem sido ambos companheiros na guerra, e contava muitas coisas de sua valentia, dizendo que se António de Sá mostrara mais gravidade da que mostrava e se prezara das coisas sinaladas que fazia, sempre tivera grandes cargos, porque os merecia bem pelo valor e esforço de sua pessoa, os quais também não desmerecia por sua linhagem e sangue de que procedia.
Dizem também de um Gaspar Vaz , que, andando nas guerras de Itália, mereceu por seu ânimo, valor e esforço, a capitania de uma companhia, e que, em um encontro que teve com os mouros, os venceu e Ihe tomou as insígnias e bandeiras, uma das quais foi um mui formoso e grande estendarte de damasco cremezim em que estavam as armas e divisa dos imigos, e o mandou a esta ilha, a seu pai, ou a seu irmão; o qual estendarte andou muito tempo nesta ilha, até que se rompeu, por não o guardarem nem estimarem seus parentes, nem o saberem ter na conta que devera ser tido.
Também se conta de um parente deste Gaspar Vaz, chamado Rolão Vaz, natural desta ilha, que, havendo tido certas competências um seu tio, João de Sousa, homem já de dias, e ele bem mancebo, com André Gonçalves de Sampaio, chamado o Congro, mui aparentado e rico, sendo eles ambos, tio e sobrinho, idos às Furnas negociar sua fazenda, os foi o André Gonçalves esperar com dez ou doze parentes seus e criados à ribeira da Abelheira, aquém da Ponta da Garça. E, querendo eles partir das Furnas, disse o Rolão Vaz ao tio, arreceando já o que poderia ser, que fossem por outro caminho, que se chama do Sanguinheiro, que é pela serra, e não pela estrada comum, por não cair em algum encontro ou perigo, ao que Ihe respondeu o tio, dizendo: ah, rapaz, já isso parece medo! E não querendo o tio senão vir pela estrada comum, vindo ambos até junto da mesma ribeira da Abelheira, havendo vista da gente que estava emboscada, disse ao sobrinho: saiamo-nos da estrada, subamos cá por riba. Ao que respondeu o sobrinho: agora já não é tempo, como quem dizia: não quisestes isto quando eu vo-lo dizia que era tempo em que sem prejuízo da honra se pudera fazer; agora adiante havemos de ir, para saberdes se sou covarde ou não. Indo por diante, Ihe saíram os contrairos ao encontro e mataram ao tio, e o sobrinho Rolão Vaz ficou mal ferido; mas eles ambos o fizeram tão valorosamente, que todos os contrairos foram feridos e deles muito maltratados.
Então se foi André Gonçalves de Sampaio, chamado o Congro, desta ilha, e andou alguns anos absente dela, em África e outras partes, sem tornar a ela, até saber que era morto Rolão Vaz. E vindo se pôs em livramento.
Houve também nesta ilha dois homens fidalgos, mui valentes; um muito grande, chamado Rodrigo Afonso Colombreiro; outro mui pequeno, por nome Duarte Roiz Cabea, filho de Afonso Roiz Cabea. Desafiando-se ambos, na vila da Ponta Delgada, se encontraram uma noite e arrancaram, jogando mui valentemente as cutiladas grande espaço, sem os sentir ninguém, por eles não bradarem, e tendo o pequeno já ferido muito ao grande, se meteu tanto debaixo dele que o grande, com os terços da espada, Ihe fendeu a cabeça, e morreu logo. Sendo depois, pelo corregedor Hierónimo Luís, espiado Rodrigo Afonso, saindo ele da igreja a um pardieiro, o meirinho Francisco Vaqueiro, remetendo a ele, o prendeu; e, antes que acudisse mais gente, tomou Rodrigo Afonso às costas o meirinho, como saco de trigo, e com ele foi correndo para a igreja, e sacudindo-o de si, ficou solto no adro.
Um Simão Lopes de Almeida , sendo morador nesta ilha de São Miguel, na vila da Ribeira Grande, e sendo nela juiz ordinário, tendo notícia que uns negros, escravos de Pero Roiz da Câmara, tinham furtado uns porcos a um João Gonçalves, tecelão, ele os foi buscar, e prendeu somente dois que achou, aos quais trazendo pela porta de seu senhor, saíram D. Margarida, sua mulher, e D. Catarina Ferreira, sua cunhada, com outros criados de sua casa, para Ihos tomarem. Não os querendo ele largar, um Pero Gonçalves, palheiro, criado de Pero Roiz da Câmara, por detrás o feriu na cabeça; ele, não fazendo caso disso, não fez autos dele, senão delas somente, por serem fidalgas e mulheres, estimando muito a resistência que Ihe fizeram. E logo deu uma sentença que no Reino, para onde apelou, se cumpriu em parte, e não em todo, sem condenar a Pero Gonçalves, palheiro, criado delas, por ser homem baixo.
Depois, andando o dito Simão Lopes jogando as canas um dia, na praça da vila da Ribeira Grande, Ihe caiu o sombreiro da cabeça e aparecendo nela o sinal da ferida, disse o Pero Gonçalves que estava presente: assinado vai aquele galante do meu ferro. Sabendo isto Simão Lopes de Almeida, sentiu então mais a injúria daquelas palavras que a cutilada, quando a recebera; e determinou vingar-se, para o que se foi à serra da Maia, onde o outro andava, e com um seu próprio manchil, que o Pero Gonçalves trazia na cinta, Ihe deu tanta cutilada pelo rosto e pelo corpo que se não pôde alevantar. Simão Lopes despiu sua camisa e, fazendo-a em pedaços, Ihe apertou as maiores feridas, e, tomando-o às costas, como se fora seu grande amigo, o levou até sobre o lugar da Maia, em vista de sua casa, do ferido, perguntando-lhe se se atreveria ir dali para casa, senão que o levaria, porque queria ir à vila da Ribeira Grande buscar o mestre que o curasse. Pero Gonçalves se atreveu ir para sua casa. Simão Lopes foi com muita pressa, em cima do seu cavalo, e Ihe mandou da Ribeira Grande o mestre Pero Vaz, o melhor cirurgião que então havia nesta ilha, que o curasse à custa dele mesmo, que o mandava; e assim o fez. E, depois dele curado, o foi visitar, como amigo, dizendo-lhe: quando outra vez fizerdes outra tal, não vos gaveis de tal homem como eu, porque, sendo eu juiz, vos pudera então bem castigar por justiça; mas, não estimando o que me fizestes, por serdes homem pobre, o não quis fazer, e vossas palavras depois me incitaram mais a ira, que vossas obras.
Mandando el- Rei D. Manuel três sinos grandes a esta ilha, um para Vila Franca, outro para a Ponta Delgada e outro para a Ribeira Grande, e sabendo os oficiais da Câmara da dita vila da Ribeira Grande que eram chegados a Vila Franca, receosos que lá escolhessem o melhor, ordenaram de ir buscar o seu e na escolha serem melhorados; para o que escolheram certos homens honrados, forçosos e valentes de suas pessoas, para qualquer sucesso, entre os quais foi um Pero Teixeira e Baltasar Vaz de Sousa e o dito Simão Lopes de Almeida, que levavam seus homens estribeiros, e carro posto no porto da vila da Alagoa, e batel por mar com alguns deles, e os de cavalo por terra. Foram todos a Vila Franca. Chegados lá, tiveram muita dúvida com os da Vila, que tinham escolhido o melhor sino, já apartado dos outros, em cima do qual se assentou Simão Lopes de Almeida, com a capa e espada feita, dizendo em alta voz que quem o tirasse de cima dele, ali havia de acabar seus dias. Apelidando os da Vila gente, ergueu-se Simão Lopes e com os mais companheiros levaram o sino ao porto e, metendo-o no batel, remaram para a Alagoa, e os mais, à espora fita, para lá direitos por terra, onde chegando, puseram o sino no carro, e no mesmo dia, o levaram à sua vila da Ribeira Grande, onde ficou para sempre, sendo o melhor sino das ilhas; ainda que já é o pior, por haver poucos anos que quebrou e não serve.
Um Gaspar Homem da Costa, morador em Vila Franca, indo-o buscar uma noite dois homens, Gaspar Dias, vianês, e Simão Fernandes, o Namorado, algaravio , para o espancar, ele só os feriu a ambos e depois curou a um deles, à sua custa, e o teve em sua casa, até que o embarcou; o qual ferido, quando se queria embarcar, foi com alguns algaravios para se vingar do dito Gaspar Homem, e ele só os saiu a receber, com a capa e espada, e Ihe deu algumas galinhas e coisas para o mar, sem os outros ousarem de o acometer. E assim se foram embarcar, sem fazer nada.
Houve nesta ilha um Belchior Baldaia, filho de Gonçalo do Rego, grande cavaleiro, que jogava grandemente de bastão e de lança, de pé, fazendo muitas galantarias, muito para ver, com cada coisa destas. O qual, no tempo que o Imperador Carlos quinto veio a Espanha, ensinava lá os cavalos encobertados por mandado de Guterre Queixada , e das armas de pé e de cavalo, não achou quem Ihe fizesse avantagem. E, muitas vezes, saltou dois cavalos de um salto, sem Ihe pôr pé, pondo somente a mão no primeiro. De riba de um cavalo, a espora fita, lançava um bordo tão longe como uma besta deita um virote, e às vezes mais. Dizem que pôs carta de desafio, na cidade de Évora, de todas as armas de pé e de cavalo, e que nenhum o venceu nelas. Foi tão grande jogador de pela, por riba da corda, que não achou em Espanha quem Ihe fosse igual senão o Pranchas. Jogando a pela com o Infante D. Luís, acabado o jogo, com uma pequena corrida, saltou a corda por cima sem bulir o cascavel, o que vendo o Infante Ihe mandou dar vinte mil réis. A mesma desenvoltura tinha no batalhar e dançar. O qual afirmava quando veio a esta ilha, vendo os cavaleiros e gente dela, que não vira outra, por onde andara, para mais, assim de forças, como de cavalgar a cavalo, onde ensinou a muitos algumas de suas habilidades, uma das quais era, correndo a cavalo, apanhar muitas vezes as laranjas pelo chão; e na carreira lançou uma cana, da cadeia das mulheres, na cidade da Ponta Delgada, até às casas de Gaspar Ferreira, atirando-a com tanta força que ficou nas ancas do cavalo e quase no meio da praça se acabou de pôr na sela. Muitas vezes quebrava com as mãos uma ferradura, por grossa que fosse; e tomava dois homens, cada um em sua palma da mão, pondo-lhe eles as mãos na cabeça, e assim os levava até vinte passos. Na praça da cidade, tomou um quarto cheio de água e, alevantando-o nas mãos sobre os peitos, bebeu pelo batoque. Punha mais a mão em uma parede e dois homens forçosos Ihe punham um pau ou tranca na palma, sem Iha poderem esmagar, antes ele os arredava para trás. Muitas vezes, no começo da carreira, dava uma palmada nas ancas do cavalo e botava a correr a pé, sem o cavalo o alcançar até o cabo dela. Uma vez, vendo em Évora um cavaleiro correr uma carreira em pé no cavalo, não podendo ele fazer outro tanto, correu outra carreira, com uma lança pelo conto, posta a mão no nariz; o que o outro cavaleiro não podendo fazer, Ihe disse ele que fosse uma por outra.
Era também Belchior Baldaia tão grande lutador que, armando-se uma luta em um império que se fazia no lugar dos Mosteiros, derribou quatro homens, com o braço esquerdo atado na coxa, estando em calças e em gibão e descalço. Sendo já homem todo branco, e um Lucas de Resende, grande de corpo e muito forçoso, mancebo de até vinte e cinco anos, lutando com ele, tendo Belchior Baldaia a mão esquerda no cinto, andando grande espaço sem se poderem derribar, por fim caíram ambos, mas a queda foi de Lucas de Resende. O mesmo Belchior Baldaia, na cidade da Ponta Delgada, aguardou no corro um touro de seis ou sete anos, muito bravo, o qual arremetendo a ele, Ihe furtou o corpo e deu um cutilada pela coxa, que quase Iha decepou toda, e caiu logo em terra. Na mesma praça, com uma pequena corrida, dava duas passadas pela parede das casas que foram do bacharel João Gonçalves e entrava pela janela.
Também a cavalo, corria com duas lanças nas mãos e o freio na boca, e saltava quarenta e cinco pés, de três saltos. E com uma barra de vinte e cinco arráteis, tirava quarenta e sete pés.
Houve nesta ilha, no lugar dos Fenais, termo da Ponta Delgada, um homem que chamavam o Lutador, tão famoso em forças e luta que todos o temiam. Logo após este, havia outro, chamado João da Uça, lutador do Capitão Rui Gonçalves da Câmara, e este dava obediência ao dos Fenais. Vinham neste tempo a estas ilhas muitos algaravios buscar trigo, entre os quais veio um marinheiro de muita força e manhoso, que em todo o Algarve era único lutador, o qual, perguntando se havia nesta ilha algum homem que tivesse fama de lutar, Ihe disseram que nos Fenais o acharia; onde se foi o algaravio e perguntando por ele, Ihe responderam que mais adiante estava armando uma casa com caibraria. Chegando a ele, perguntou aonde vivia o lutador, ao mesmo, que estava falquejando. Olhando o lutador para o marinheiro, conheceu logo que também era lutador e o vinha buscar, pelo que a resposta que Ihe deu, foi tomar um mui grosso caibro pela ponta, com uma só mão, e apontou para a casa onde vivia, dizendo: ali vive esse homem por quem perguntais. Quando viu o marinheiro tal força que com uma só mão tinha um pau tão grande e pesado, alevantando-o pela ponta e com ele apontava a casa, como se fora com uma vara ou cana muito leve, ficou maravilhado e Ihe contou ao que vinha, dizendo que com ele não queria desafio e se dava por vencido. Comeram então ambos, ficando grandes amigos. Era este lutador quase igual em forças a Marcos de Braga, da ilha da Madeira, e dele houve geração nesta ilha. Dizem que procedeu da primeira pessoa que nasceu na ilha de Santa Maria.
Na vila do Nordeste, houve dois irmãos, Baltasar Vaz e Pedro Anes, um dos quais, saindo a lutar, em um império que se fazia na festa do Espírito Santo, não ousou ninguém sair à luta; pelo que muitos homens honrados, que estavam presentes, acabaram com eles que lutassem ambos, o que fizeram com importunações e rogos. Andando muito espaço sem derribar um ao outro, enquanto lutavam, foi um parente dizê-lo à mãe deles, já casados, que não tinham pai.
Ouvindo isto, a mãe tomou o manto e debaixo dele um pau que afeiçoou para isso; e chegando a eles que andavam apegados, largou o manto e com o pau Ihe deu muitas pancadas, dizendo-lhes: para isso vos pari eu, para serdes um contra o outro; comigo tende a luta e desafio. Desapegaram-se então um do outro e fugiram da mãe, com que ficou a luta e a briga desfeita.
João de Aveiro, da vila da Ribeira Grande, corria a um cavalo a anca revolta, e também tão ligeiramente pelo areal, ao longo do mar, que Ihe não achavam rasto, senão de meio pé para diante.
João Roiz Carreiro, filho de Bartolomeu Roiz, da Serra, corria a qualquer cavalo a anca revolta. E desafiando-o um Francisso Anes, criado de seu pai, dizendo que havia de correr mais que ele, Ihe respondeu: se eu correr mais que vós, nenhuma honra ganho e, se correr menos, perco muito; por isso correrei convosco ou com as mãos atadas atrás, ou com uma barra nelas, e tomando uma barra de vinte e dois ou vinte e três arrates nas mãos, correu com ela mais que ele. O mesmo João Roiz pondo dois homens de boa estatura, cada um de sua parte, uma lança nos peitos, sem correr de longe, senão dando duas passadas, rijo, saltava por cima da lança.
Adão Lopes, da vila da Ribeira Grande, corria tão ligeiro que não achou quem corresse tanto como ele, senão só um, chamado Galvão.
Um Brás Dias, da Ribeira Grande, foi o melhor jogador de pela que houve em todas as ilhas dos Açores, porque jogando de ambas as mãos, tanto Ihe dava jogar com uma, como com outra; e, logo após ele António Roiz e Fernão Martins, do lugar da Maia.